3.4.12

Sob as águas





Sob as águas.


Nadar é o meu mantra. A minha meditação.

Mergulho na piscina e o mundo desaparece. Os pensamentos flutuam e são deixados para trás.

Cercado de água por todos os lados, eu sou uma ilha em movimento. Sem âncora ou mastros, eu sou um navio sem leme, longe de estar à deriva. Navego ao longo de minha própria alma, braços à proa e coração a bombordo. Guio-me pelas estrelas.

Eu nado na superfície das ondas, mas chego ao fundo do que sou. No calmo silêncio do espírito, todas as tempestades serenam. Tudo é bonança. Eu sou uma caravela e o cordame afrouxa, nada se opõe à minha vontade em movimento.

Uma braçada e outra braçada. Uma borda e outra borda. Quando a vida flui, todos os meios são líquidos. E certos.

Eu sou o que me move, eu sou o meu próprio vento que enfuna as velas e me leva à beira do que eu jamais fui. E também adiante – para minha surpresa.

No abismo das águas, eu sou Deus, e descansarei apenas no sétimo dia. Por enquanto é terça, e a criação de mim mesmo está apenas começando.

Eu sou ao mesmo tempo o Filho, meu batismo também é na água. Eu estou no Paraíso, e o meu Céu também é azul.

Subo à tona, abençoado e sem fôlego. 
Certo de que os evolucionistas sempre tiveram razão: 
minha vida também começa na água.
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13.2.12

As Peras




As peras.


Quando cheguei à cozinha pela manhã, lembrei das peras repousadas na fruteira, postas ali para o tempo as amadurecer - como acontece conosco, aliás. Túrgidas e perfumadas, guardavam a promessa perfeita de sabor. 

Mas fui traído à primeira mordida: a areia do seu gosto já tinha se esvaído de todo.

Lembrei daquele poema de Ferreira Gullar, o único que lembro com frequência, e por isso mesmo o mais precioso, quando ele dizia as peras cansaram-se de suas formas e de sua doçura. As peras dele eram como as minhas. Inocentes e insípidas, esgotadas de tanto esperar.

Pensei então que, de certa forma, esperar seria tornar-se pera, aguardar o momento certo de ser doce e inesquecível. E desesperar-se é deixar de ser pera, esquecer o sabor que a vida nos dá e nos entregarmos ao azedume. Mas, principalmente, pensei que o melhor não é ser uma coisa, nem outra. 

Bom mesmo é jamais deixar de ser pera, prolongando a doçura pela vida inteira.
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4.1.12



Gentilezas.


Hoje eu vi uma árvore entrar pela janela de um muro.
Vi os tijolos do progresso pedirem licença à mãe Terra
eu vi o Homem, tão lobo do Homem, baixar suas armas para coexistir.
E convidar a natureza para visitar sua casa.
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