5.11.08



Duas esperas.

Todas as manhãs, eu passo por um grupo de pescadores. Quase sempre, estão tratando o produto de seu trabalho. Aos pés deles, seis ou oito gatos de rua que tiraram a sorte grande: uma fonte eterna de peixes fresquinhos. Os bichanos esperam pacientemente o trabalho terminar, porque sabem que existe ali um peixe inteirinho só para eles, sempre tem. E os carinhos, as brincadeiras desajeitadas, a cumplicidade perfeita da relação perfeita: alimento para o corpo dos gatos, alimento para a alma dos homens. Num dia em que passei mais cedo, vi os gatos perfilados, olhando fixamente para o mar: os barcos dos pescadores ainda não tinham chegado. Perguntei-me se este ritual não acontece todos os dias.

Todas as noites, em pé no ônibus, eu olho para as pessoas sentadas. Trabalhadores voltando para o subúrbio. Quase todos dormindo, esgotados do dia. Os que não dormem, sustentam para a janela um olhar perdido. Para a vida ou para o nada, não sei.

Eu olho as pessoas e as igrejas. Incrível a quantidade de templos protestantes na periferia, no caminho para casa eu vejo mais de quinze. Onde a vida é mais dura, é preciso mais fé.

Católicos e protestantes concordam que a morte é como um sono à espera do julgamento. Da salvação dos justos. As pessoas do ônibus, as mesmas que não perdem o culto por nada no final de semana, não dormem jamais. Fiéis, ouvem as promessas de vida eterna e sustentam sua dignidade como podem. E na volta do ônibus, ensaiam de olhos fechados, aguardando o momento exato de saciarem sua fome de justiça, de paz, de afeto.

Como gatos à espera do pescador.