22.6.10

De uma observação





De uma observação.

Eu penso nas sequóias, no sol e nos rios.
A constância é o que os torna grandes.
A única preocupação da sequóia é:
"Subir água para as folhas. Descer luz para as raízes".
O único pensamento do sol é:
"Transformar hidrogênio em hélio".
O único desejo de um rio é:
"Levar da nascente para o mar".
E fazem isso, o tempo inteiro,
sem se perturbar com mais nada
durante séculos e séculos.

Eu sei que um dia seremos sóis.
Mas a constância a gente pode começar a praticar desde agora.

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18.6.10



Uma despedida.

Foi muito, muito bom dividir este mundo e esta época com você. Até breve, Saramago.


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5.4.10



Sobre o amor pelos livros.


Lembro que a paixão pelos livros foi uma das primeiras coisas que nos aproximaram.


Lembro irmos juntos para o Jardim dos Namorados ler trechos de livros que amávamos um para o outro, enquanto todos os outros casais deixavam de lado poesia e prosa e partiam para a prática.

Lembro de te telefonar de madrugada para ler um texto de Clarice, só porque você disse que adorava.

Lembro de comprar vários livros com você na Saraiva, todos de uma vez, e não terminar nenhum, vítima da mesma maldição que te atacava. Ficar meses sem conseguir terminar nenhum volume.

Lembro das nossas estantes abarrotadas de bons romances, contos e poemas, lembro da devassa doloridíssima que promovemos neles para ganhar espaço.

As duas estantes agora são uma, os quinhentos livros agora são menos. Mas eu, com você, sou muito, muito mais.


Ritmos.


Eu sempre me lembro de um trecho do filme Baraka, onde um monge zen caminha no meio de uma multidão de pessoas nas ruas. Bem lentamente. Ele toca o sino que carrega nas mãos a cada passo que dá.

Bem. Devagar.

Sinalizando cada pequeno passo, mostrando a importância de cada momento. No filme, as pessoas ao redor, indiferentes, andam no ritmo louco da metrópole, buscando sabe-se lá o quê. A impressão que eu tive é que o monge é quem andava no ritmo ideal, vivenciando literalmente cada passo desta vida. É a reflexão de quem passa pelos 30 anos, quando alguns dos sentidos da vida são atirados em nossa cara. Como um balde de água fria, que assusta, encharca.

E, principalmente, desperta.

25.3.10




Cafezinho.


Preto, com leite, com açúcar. Nada mais tipicamente brasileiro que o homem do cafezinho. Noctívago de profissão, percorre as ruas da cidade com seu carrinho repleto do mais prosaico dos hábitos. Que vai muito além do ato em si: um café é uma vontade, mas também um pretexto, um quase-nada de relaxamento do que quer que seja.

Ser homem do cafezinho é quase uma missão, um elemento crucial na logística das noites.

O carrinho sempre muito enfeitado, com rodinhas, adereços, bibelôs, firulas, cortinas, bandeirolas, texturas, com rádio, com forma de caminhão, com luzes, escudo do time. É como o destaque de uma escola de samba, onde o enredo exalta para sempre as alegrias da insônia e decreta a morte de Morfeu.

Ser homem do cafezinho é também um estilo de vida. Do bate-papo displicente no frio da madrugada, pleno de tempo e cheio de assunto. Do amor rápido nas escadas e garagens com as domésticas, acobertado pela conivência dos vigias. Do cigarro vendido, quando não dividido, aos companheiros de convívio, testemunhas do silêncio noturno onde até os semáforos parecem gritar as mudanças de sinal.

Mas logo vem a despedida, um até breve sem dores, que a espera termina no próximo pôr-do-sol. E lá vai o homem do cafezinho, levando em seu carrinho o calor no copo e o calor humano a quem quiser e precisar – distribuindo despertares pela noite afora.

19.3.10



Estaturas.


Meu avô era um homem grande. Do alto dos meus seis anos, ele parecia um gigante. Imponente com sua bengala e seu dente de ouro, o olhar azul-cinzento atravessando pessoas como se elas não existissem. Quando me olhava, estava sempre fitando um ponto além dos meus olhos. Encarando direto na alma. Ou visualizando meu futuro, não sei.

Meu avô usava um chapéu panamá cinza que, junto com a bengala, dava-lhe um ar de coronel, a austeridade postiça aumentando-lhe a estatura em uns bons oito centímetros. Seu silêncio e o sorriso dourado mostravam um homem orgulhoso e satisfeito com o mundo que ajudou a construir.

Quando ele morreu, eu estava lá. Vi o gigante diminuindo lentamente, definhando primeiro em sua cama, depois num leito de hospital. Os olhos mortiços que custaram a me reconhecer ainda buscavam o futuro, e não ver destino fazia com que se agarrasse à vida com todas as forças. Foram três meses de luta, ninguém esperava tanta força num homem tão velho. O coronel jamais se rendeu.

Alguém disse que crescer é ir se distanciando lentamente dos pés. Quando vejo alguém curvado pelos anos, completo o adágio e digo que envelhecer é reencontrar-se com o chão, a terra da qual todos viemos. Do pó ao pó, como dizem. Sob esta perspectiva, morrer não é desaparecer. É tornar-se maior – dissolver-se no universo.