22.12.11

espirais





Espirais.

Gosto de músicas que têm muitos detalhes. Daquelas cheias de nuances, ricas em sons novos que duram apenas um instante. Daquelas que começam de um jeito e surpreendem no meio do caminho, unindo duas ou mais melodias. Gosto delas porque sei que, um dia, quando ouvir aquela música novamente, descobrirei algo novo sobre ela. E escutarei ainda mais atentamente.

De tempos em tempos, gosto de reler alguns livros. Voltei ao Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, uns 15 anos depois de lê-lo pela primeira vez. 15 anos mais experiente, vi o texto se preencher com uma riqueza de detalhes, minúcias e pequenas coincidências que eu dificilmente teria percebido na pressa dos meus 17 anos. E passei a gostar do livro ainda mais, é maravilhoso.

Espirais são círculos aos quais foi dada a graça da evolução. Digo, tome o início de uma espiral e comece a percorrer sua linha com os dedos.  Você estará fazendo círculos que aumentam de tamanho a cada volta. É como uma consciência, que retorna a este mundo muitas e muitas vezes, cada vez maior. Aprendendo um novo som, atentando para um novo parágrafo da vida.

Nascer, crescer, adolescer, amadurecer, morrer e começar tudo de novo. Estamos sempre voltando à mesma altura, embora nunca sejamos os mesmos duas vezes. Se escutarmos atentamente, relendo nossas vidas, seremos mais a cada vez.

Boa leitura para você.


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14.9.11

A goiaba e as flores



A goiaba e as flores.

Quando eu acordei, a sala rescendia às flores que colhemos num casamento. Rosas brancas no vaso improvisado, murchas de tempo. Insistentes em exalar seu perfume, meio de vida e razão de ser.

Um último legado, e os herdeiros éramos eu e a manhã de quarta-feira.

Lembrei da goiaba enchendo outra sala Seu cheiro alforriado à primeira mordida na mesma manhã. Porque se a rosa tem perfume, a goiaba tem cheiro, visceral e vívido porque nos fala da fome interior, antecipando o sabor e o alívio do que nos devora por dentro.

Uma goiaba é uma flor que compreendeu que podia transcender a si mesma e alimentar não só a alma, mas também o corpo.

Uma rosa transcende a si mesma quando dá frutos nos sonhos dos homens, semeando a imaginação de enlevo e saudades.

Melhor não é a flor, melhor não é o fruto, melhor é o olor de sentir com os olhos fechados. E o coração aberto.


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12.7.11

Sequóias



Sequóias.

Olhando as pessoas muito velhas e sua serenidade de quem não espera mais nada exceto a morte, eu penso em maturidade. Se muito tiver a ver desta vida, chegarei aos cem anos lúcido e desassombrado. Mas não irei muito além com este corpo.

É o que me intriga nas sequóias.

Uma sequóia é uma personificação do tempo. Podendo chegar facilmente aos dois mil e quinhentos anos de idade, as árvores mais velhas do mundo presenciaram tudo o que o mundo viveu desde que o Cristo pisou este chão. Desde o nascimento do Buda Sidarta. Desde a Égira de Maomé.

Lembrando das muitas histórias do meu avô, que coisas teria uma sequóia para contar?

Lembrei de um conto de Borges que fala dos imortais. Contrariando as fantasias mais comuns sobre a vida eterna, os personagens do conto perdem o interesse pela vida mundana, e passam os dias olhando o céu e as estrelas, em silêncio. Tentando entender a vida, decerto.

Sequóias não respondem aos nossos apelos, não compartilham verbalmente sua sabedoria. Cabe a nós observar.

As raízes pouco profundas me falam de desapego, de se desprender. Quanto mais presos ficarmos em nosso passado e convicções, menos energia teremos para crescer.

A grossa casca que recobre o tronco me fala de ser impermeável, inatingível pelas intempéries e dificuldades. Ser inabalável nos permite resistir por mais tempo.

O tronco de uma sequóia é formado por várias camadas que se sobrepõem ao longo dos anos. Quando mais velha, mais camadas, como se o íntimo da árvore fosse gradualmente se revestindo de conhecimento. Quando mais velha, mais conteúdo, mais vida interior. É o que dá a base para chegar tão alto – uma sequóia pode passar facilmente dos cem metros de altura.

Os galhos, curtos e finos, perpendiculares ao tronco, nos falam das coisas que acontecem enquanto crescemos. Fazem parte da vida e nos nutrem ao longo do caminho, mas nunca poderão nos desviar do que realmente importa: chegar aos céus.

Uma sequóia sempre foi e sempre será muito mais que uma árvore, é uma promessa silenciosa de elevação. São as árvores que eu mais amo.

Porque, embora silenciosas, têm sempre muito a dizer.

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6.7.11





Unicidade.

Uma das cenas que eu mais gosto no filme Baraka, de 1992, é a de uma tribo do leste da Ásia, onde vários homens sentados se reúnem em torno do sacerdote. Balançando ao ritmo invisível de sua própria união, faziam gestos sincronizados com os comandos do líder. Parecia que todos eles eram uma coisa só, viva, pulsante, movendo-se como o gramado ao vento, cardume colorido, as ondas do mar.

E quando você deixa de ser um indivíduo para ser parte de algo muito maior?

Em 2005, no intervalo do show do Pearl Jam, o Beto me propôs: e se a gente fizer todo mundo cantar Jeremy bem alto? Começamos a letra que não era a mais conhecida no mundo, mas com certeza a mais amada pelos fãs. A música se espalhou como um rastilho de pólvora, primeiro dois, depois cinco, depois 40 mil pessoas cantando juntas. A ponto de eu não ouvir a minha própria voz, embora berrasse a plenos pulmões a melodia que me tornava mais do que um. Um momento sem ego, partilhado em uníssono. Uma sensação que eu nunca mais vou esquecer, buscando revivê-la em minhas preces, no silêncio que eu puder ouvir, na duração de toda uma vida.

Dissolver-se não é perder a individualidade – mas ganhar o infinito.


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6.6.11


Alguém percebeu.


Enquanto você observa os empecilhos que a vida coloca diante dos seus olhos,
esquece de olhar para os lados e ver possibilidades.
As traves te impedem de ver os detalhes e as pequenas coisas
que tornam tudo interessante.
Enquanto se ocupa em se agarrar ao que você conhece,
esquece de olhar em volta.
Esquece que a vida à qual você se apega
é a prisão que te mantém onde você já está.
Só quem segura você
é você mesmo.
Solte as grades. Liberte-se do mundo.

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6.4.11


Um presente.



Em tempos de aquecimento global, com suas chuvas e humores destemperados, volta e meia a natureza nos mostra que a beleza resiste. A foto é deste mês, do Paquistão, onde as enchentes fizeram com que as aranhas procurassem lugares mais altos para tecer suas teias. O resultado é o que se vê: árvores embaladas para presente, cobertas delicadamente com o fio da vida das aranhas.

Uns dizem que a arte imita a vida. Outros, que a vida imita a arte. Mas eu acho que, quando a gente abre as portas da percepção para o que é a verdade, veremos que elas são a única e a mesma coisa.

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