Duas esperas.
Todas as manhãs, eu passo por um grupo de pescadores. Quase sempre, estão tratando o produto de seu trabalho. Aos pés deles, seis ou oito gatos de rua que tiraram a sorte grande: uma fonte eterna de peixes fresquinhos. Os bichanos esperam pacientemente o trabalho terminar, porque sabem que existe ali um peixe inteirinho só para eles, sempre tem. E os carinhos, as brincadeiras desajeitadas, a cumplicidade perfeita da relação perfeita: alimento para o corpo dos gatos, alimento para a alma dos homens. Num dia em que passei mais cedo, vi os gatos perfilados, olhando fixamente para o mar: os barcos dos pescadores ainda não tinham chegado. Perguntei-me se este ritual não acontece todos os dias.
Todas as noites, em pé no ônibus, eu olho para as pessoas sentadas. Trabalhadores voltando para o subúrbio. Quase todos dormindo, esgotados do dia. Os que não dormem, sustentam para a janela um olhar perdido. Para a vida ou para o nada, não sei.
Eu olho as pessoas e as igrejas. Incrível a quantidade de templos protestantes na periferia, no caminho para casa eu vejo mais de quinze. Onde a vida é mais dura, é preciso mais fé.
Católicos e protestantes concordam que a morte é como um sono à espera do julgamento. Da salvação dos justos. As pessoas do ônibus, as mesmas que não perdem o culto por nada no final de semana, não dormem jamais. Fiéis, ouvem as promessas de vida eterna e sustentam sua dignidade como podem. E na volta do ônibus, ensaiam de olhos fechados, aguardando o momento exato de saciarem sua fome de justiça, de paz, de afeto.
Como gatos à espera do pescador.
Todas as manhãs, eu passo por um grupo de pescadores. Quase sempre, estão tratando o produto de seu trabalho. Aos pés deles, seis ou oito gatos de rua que tiraram a sorte grande: uma fonte eterna de peixes fresquinhos. Os bichanos esperam pacientemente o trabalho terminar, porque sabem que existe ali um peixe inteirinho só para eles, sempre tem. E os carinhos, as brincadeiras desajeitadas, a cumplicidade perfeita da relação perfeita: alimento para o corpo dos gatos, alimento para a alma dos homens. Num dia em que passei mais cedo, vi os gatos perfilados, olhando fixamente para o mar: os barcos dos pescadores ainda não tinham chegado. Perguntei-me se este ritual não acontece todos os dias.
Todas as noites, em pé no ônibus, eu olho para as pessoas sentadas. Trabalhadores voltando para o subúrbio. Quase todos dormindo, esgotados do dia. Os que não dormem, sustentam para a janela um olhar perdido. Para a vida ou para o nada, não sei.
Eu olho as pessoas e as igrejas. Incrível a quantidade de templos protestantes na periferia, no caminho para casa eu vejo mais de quinze. Onde a vida é mais dura, é preciso mais fé.
Católicos e protestantes concordam que a morte é como um sono à espera do julgamento. Da salvação dos justos. As pessoas do ônibus, as mesmas que não perdem o culto por nada no final de semana, não dormem jamais. Fiéis, ouvem as promessas de vida eterna e sustentam sua dignidade como podem. E na volta do ônibus, ensaiam de olhos fechados, aguardando o momento exato de saciarem sua fome de justiça, de paz, de afeto.
Como gatos à espera do pescador.
2 comentários:
Bito, o cara da foto parece você na sombra.
Sério!
Sabe, até hoje, quando eu entro em um ônibus, e as pessoas estão, sentadas, caladas e olhando pra frente, lembro de você.
Uma vez, há muitos anos, me disse que ficava imaginando o que se passava na cabeça daquelas pessoas todas. Que ficava imaginando isso...
Sempre penso nisso!
Pude visualizar os gatinhos olhando o mar. E, adorei a imagem. Só que fiz isso pensando no Rio Vermelho.
Beijocas, e, como sempre, lindo texto.
SAUDADE (com letra maiúscula).
Pabrito!
Gostei muito deste seu pensamento... Interessante a visão comparativa. As vezes penso tb nesta espera humana e felina. Pra mim a diferença está no que é mais instinto e o que é mais sensorial e filosófico... Confesso:
Eu espero todos os dias!
Farei um pit-stop sempre que possível nas suas palavras. Belas por sinal. Abs!
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