6.10.09



A moça feia.

Cantando no coro da igrejinha do subúrbio. Feia à segunda vista, mas somente à segunda. Porque aquela moça tinha algo mais, saltando aos olhos logo de cara, tão forte e tão intenso que se antecipava a qualquer julgamento.

O mendigo e seu cachorro sentados no chão da calçada. Olhando o céu azul e sem nuvens que se abria atrás do muro do quartel. O cachorro não tinha um porquê além de uma vaga lealdade. Mas o homem, o homem tinha algo mais. Tão forte e tão intenso que me fez parar o caminho do dia e observar.

Qualquer lugar é perfeito quando se fita o nada ou o infinito. O coral da igrejinha ou o chão duro da calçada. Com os olhos fechados ao som de uma música, ou com os olhos vidrados no mais absurdo silêncio.

Porque preencher-se de algo é desprover-se de outras coisas. Abrir mão de todo o resto. Porque a penúria da carne abre espaço para o espírito. Porque a feiúra é também uma forma de privação.

Mas, cá comigo, eu desconfio: na calçada ou na igreja, eles não precisavam de mais nada. Estavam absolutamente completos.

3 comentários:

Maísa Picasso disse...

Lindo, amor, e poderoso.
Acredito que está certo. Hoje mesmo sua mãe e eu paramos boa hora da tarde para olhar o céu. No mesmo instante lembrei de uma cena de um filme que vimos juntos, quando uma pintora, recuperada de uma tentativa de suicídio, comenta com o esposo psicólogo uma frase para ajudar um paciente depressivo deste. Ela diz que a vida apresenta muito mais coisas belas que julgamos, que por isso vale a pena não ir embora.
Me lembro dessa moça da igrejinha. Era feia e cantava desafinado, amor. Mas fechava os olhos e olhava para o alto como quem vê e escuta as coisas belas das entrelinhas.
Te amo. E parabéns pelo texto.

Lidiane disse...

É a beleza, Bito, do cotidiano. Das coisas pequenas e do instante eternizado pelo olhar de que vê, além do enxergar.
Meu Bito Castañeda.

Beijos.

Maísa Picasso disse...

um jeito diferente de dizer que te amo hoje.